terça-feira, 30 de junho de 2015

AS ROSAS




Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;

Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.

Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.

Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.

Machado de Assis,
in 'Crisálidas'

domingo, 21 de junho de 2015

EXCERTO LITERÁRIO



"A dor é uma estrada: você anda por ela,
no adiante da sua lonjura, para chegar
a um outro lado. E esse lado é uma parte
de nós que não conhecemos. 
Eu já viajei muito dentro de mim."

Mia Couto, 
in "Estórias Abensonhadas"




quarta-feira, 17 de junho de 2015

EXCERTO





 O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute
 de maneira calma e tranquila. Em silêncio.
 Sem dar conselhos. Sem que digam:
 “ Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa
 que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito.
 A fala só é bonita quando ela nasce de uma 
 longa e silenciosa escuta. 
 É na escuta que o amor começa.
 E é na não-escuta que ele termina.
 Não aprendi isso nos livros.
 Aprendi prestando atenção.


Rubem  Alves  
 em O Mundo de Gaya

segunda-feira, 15 de junho de 2015

A VERDADEIRA MÃO




A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se

O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita

O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende

E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

ANA HATHERLY
O Pavão Negro
(2003)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

SONETO DE FIDELIDADE




De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure

VINÍCIUS DE MORAES 
In Livro de Sonetos, 1967

quarta-feira, 10 de junho de 2015

O QUE É SIMPATIA




Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais. 
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
Simpatia...
é quase amor! 


Casimiro de Abreu (1839-1860)


segunda-feira, 8 de junho de 2015

EXCERTO LITERÁRIO





"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida,
e restaurar na velhice a adolescência.
Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o
que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia 
é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde;
mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo (...)"

Machado de Assis
in: Dom Casmurro


domingo, 7 de junho de 2015

EXCERTO LITERÁRIO




"O menino então sorri e nem o inimigo mais
feroz resistirá a esse sorriso de quem se
oferece tão sem defesa."

Lygia Fagundes Telles ,
in Verão no Áquário

terça-feira, 2 de junho de 2015

CITAÇÃO




É, pois, falso dizer que na vida «decidem as circunstâncias».
Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema,
sempre novo, ante o qual temos de nos decidir.

Mas quem decide é o nosso carácter.

Ortega y Gasset,
in 'A Rebelião das Massas'